Maria

Velho da Costa

Maria Velho da Costa

Portugal, 1938 - 2020

A escrita de Maria Velho da Costa (Lisboa, Portugal, 1938–2020) situa-se no âmbito de um experimentalismo linguístico que renovou a literatura portuguesa na década de 1960. A transgressão formal da sua obra inaugura novos horizontes sintáticos e semânticos, e, simultaneamente, nutre uma forte relação dialógica com obras da tradição literária nacional, desde a Idade Média até à sua geração. Como definem as palavras do poeta e investigador Hélder Macedo, uma das suas maiores qualidades enquanto escritora é a «atenção de muito pormenor até aos micro-significantes das palavras», escrevendo quase «estruturas musicais», que, «embora essencialmente prosadora, integrava na sua escrita como se fosse uma poeta».

O carácter transgressor de Maria Velho da Costa exprime-se também nas temáticas que a sua escrita abarca, sendo o «mundo de frustração, de sufocação e a genérica condição da mulher portuguesa» da sua época os temas basilares do seu trabalho. A essa «moderna consciência feminina», alia-se um perspicaz retrato político-social, consciente das tensões de classe e da esterilidade da vida burguesa, assim como uma profunda ligação ao fértil mundo da infância. É também autora das Novas Cartas Portuguesas, com Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno, obra que o regime salazarista, então já a entrar na chamada «Primavera Marcelista», condenou em tribunal por ofensas à moral vigente — instaurando o processo que ficou conhecido internacionalmente como o «processo das três Marias», que acabou por sublimar um dos principais interesses sobre o livro, que é a criação coletiva realizada, ao longo de um ano inteiro, entre as três escritoras.


Ova Ortegrafia, 1972

Retroprojetor, impressão a jato de tinta sobre acetato

Cortesia de João Sedas Nunes.

Ova Ortegrafia, texto da autoria de Maria Velho da Costa, é um exímio exemplar do gosto da autora pela construção insólita da linguagem, pelo recurso à ironia, e da componente cómico-lúdica da sua escrita. Publicado pela primeira vez no jornal República, em junho de 1972, integrou posteriormente a edição Desescrita (1973), uma coletânea de artigos e poemas da autora. Projetado numa das salas do CAPC Sede, espaço onde se concentram os enunciados que delineiam a intenção curatorial desta edição da bienal, «agarram-se» às paredes as palavras reformuladas que Maria Velho da Costa cria com clara intenção subversiva. Apesar das letras que faltam ao texto, a sua cadência é perfeitamente assimilável — o que, além de demonstrar o domínio da língua pela autora, suscita uma reflexão crítica sobre a construção da linguagem e torna o texto curiosamente acessível. Brincando com desafiar os mecanismos censórios da altura, os cortes nas palavras fazem convergir o seu experimentalismo literário e uma denúncia acerca da censura em Portugal. Em O Fantasma da Liberdade, Ova Ortegrafia ganha ainda um outro contorno ao aproximar-se do pensamento surrealista sobre a escrita, destacando o carácter subjetivo da mesma e aproximando a Literatura e a Psicanálise.

Maria gallery image

© Jorge das Neves

Maria Velho da Costa é autora de vinte e um livros, entre prosa e contos, sendo Maina Mendes (1969), Novas Cartas Portuguesas (1972), Cravo (1976), Missa in albis (1988) e Myra (2008) os mais conhecidos. Foi vencedora de diversos prémios de literatura, de entre os quais se destacam o Prémio Camões, em 2002, e o Grande Prémio Vida Literária, em 2013. Maria Velho da Costa foi membro da direção e Presidente da Associação Portuguesa de Escritores, entre 1973 e 1978, leitora do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros, na Universidade King's College, entre 1980 e 1987, Adjunta do Secretário de Estado da Cultura, em 1979, e Adida Cultural em Cabo Verde, de 1988 a 1991.