Adriano Correia de Oliveira
+ José Niza + Rosalía de Castro
Adriano Correia de Oliveira + José Niza + Rosalía de Castro
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Sobre a história de vida de Rosalía de Castro (Santiago de Compostela, Espanha, 1837 – Padrão, Espanha, 1885), muito permanece ocultado pela opacidade dos seus registos biográficos. Cânone da literatura espanhola, a poetisa foi responsável pelo ressurgimento da língua galega escrita a partir da publicação do seu primeiro livro, Cantares Gallegos. Entre romance e poemário, a sua obra é permeada por vivências autobiográficas e, simultaneamente, situa-se num panorama social representativo da Galiza da sua época. A realidade da vida doméstica das mulheres do seu tempo, a emigração massiva que assolava os povoados galegos, a clareza de consciência em relação aos poderes dominantes, o seu profundo sentido de justiça, a sua saúde frágil, a perda de dois dos seus filhos e um sentimento trágico da vida são temáticas representativas no seu trabalho — e a razão para ser Rosalía de Castro uma espécie de figura heroica para o povo galego.
Chegado a Coimbra para estudar Medicina, em 1956, área na qual se viria a formar, José Niza (Lisboa, 1938 – Santarém, 2011) enforma-se, humana e politicamente, numa cidade de onde cedo ecoavam os preâmbulos da revolução, maioritariamente nas vozes dos seus estudantes. Escreveu cerca de 300 canções, sendo o autor da letra de E depois do Adeus, que serviu de primeira senha à Revolução de 25 de Abril de 1974, interpretada por Paulo de Carvalho e musicada por José Calvário. José Niza acompanhou o período de Ricard Salvat em Coimbra, tendo sido convidado para compor a música para dois espetáculos do CITAC: a Excepção e a Regra, de Bertolt Brecht, e Castelao e a sua Época, do próprio Ricard Salvat. Correia de Oliveira gravou várias músicas da autoria de José Niza, de entre as quais Cantar de Emigração, no álbum Cantaremos (Orfeu, 1970).
Músico e intérprete que fez parte da história da resistência cultural à ditadura salazarista, Adriano Correia de Oliveira (Porto, Portugal, 1942 – Avintes, Portugal, 1982) contribuiu ativamente para a consolidação do processo democrático em Portugal. Filiado no Partido Comunista Português, na década de 1960, participou nas greves académicas de 1962 contra o salazarismo, ainda quando era estudante de Direito na Universidade de Coimbra. No ano seguinte, lançou seu primeiro EP, que trazia Trova do vento que passa, poema de Manuel Alegre, que, na voz de Adriano Correia de Oliveira, se tornou no hino dos estudantes de resistência à ditadura. A luta antifascista e contra a guerra colonial são partes indissociáveis da sua biografia, tendo sido veementemente manifestadas através das suas canções de intervenção — as quais, frequentemente, traziam poemas musicados de outros autores.
Cantar de Emigração, 1970
Instalação sonora, 2’48”
Na madrugada de 23 de abril de 1969, alguns dias após o início da Crise Académica em Coimbra, o autor catalão Ricard Salvat foi conduzido pela PIDE (polícia política do Estado Novo) a um posto na fronteira com a Espanha. Tal acontecimento interrompeu os planos da estreia de uma peça teatral, intitulada Castelão e a sua época, que havia sido preparada ao longo de meses, junto dos estudantes do CITAC (Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra). Em outubro, meses após o início da crise, que também se tinha propagado durante o verão noutros eventos ligados à vida académica, alguns dos estudantes envolvidos foram forçadamente enviados para a Guerra Colonial, na África. Segundo conta o investigador Antonio Iglesias Mira, como forma de protesto foi organizada uma grande manifestação estudantil que marchou desde a Praça da República até a Estação Coimbra-B, cantando a versão de Cantar de Emigração, que integrava a peça de Salvat, e que se tinha tornado parte dos serões da vida estudantil. A canção — inicialmente musicada por José Niza — tinha como letra um trecho do poema ¡Prá á Habana!, da poetisa Rosalía de Castro, incluído na sua obra Follas Novas, publicada quase cem anos antes, em Cuba.
Reavivando fantasmas da História, esta bienal traz a gravação dessa canção de intervenção, por Adriano Correia de Oliveira (do álbum Cantaremos, 1970), para tocar diariamente, próximo do fim do expediente de muitas pessoas, na mesma estação onde outrora soaram as vozes dos estudantes opositores da ditadura. Neste lugar de idas e vindas, ressoam os versos que vêm para lembrar as aflições transversais às experiências migratórias — as quais marcam tanto quem vai quanto quem fica.